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Direito a Serviços de Qualidade


 

DIREITO DA VÍTIMA A SERVIÇOS DE QUALIDADE

 

Princípios Orientadores

» vítimas de crime têm o direito a um sistema de apoio à vítima gratuito e cujos serviços sejam prestados por voluntários ou profissionais com formação adequada.

Deve ser garantido às vítimas o direito:

» igualdade de acesso aos serviços de apoio à vítima;

» receber apoio prestado por profissionais adequadamente seleccionados e recrutados;

» serviços de apoio à vítima gratuitos;

» serviços de apoio à vítima confidenciais;

» autonomia pessoal quanto às decisões tomadas;

» serviços de apoio à vítima independentes.

 

Declaração de princípios

(a) O movimento de Apoio à Vítima tem vindo a auxiliar vítimas de crime na Europa desde há mais de 20 anos. Muitas organizações pertencentes ao Fórum Europeu têm mais de dez anos de experiência no apoio a vítimas e, algumas, mais de quinze anos.

Estima-se que cerca de 1 200 000vítimas são atendidas e apoiadas pelas organizações de apoio à vítima na Europa. Um dos objectivos primordiais do Fórum Europeu consiste em “promover o desenvolvimento de serviços eficazes de apoio às vítimas de crime em toda a Europa”. Embora o número de vítimas auxiliadas seja impressionante, o Fórum Europeu não se limita a avaliar a eficácia apenas em termos da quantidade: desde há muito que a qualidade dos serviços prestados é igualmente importante.

(b) O crime é normalmente entendido de acordo com a descrição dos factos criminosos constante da queixa, da denúncia ou do auto de notícia. Os efeitos mais óbvios são a dimensão dos danos patrimoniais e físicos que resultam dos crimes violentos. Menos reconhecidos são os transtornos e a desproporcionada perda de tempo que implica a obtenção da indemnização e a substituição dos bens danificados.

(c) Para a maioria das vítimas, porém, estes efeitos são consideravelmente menos significativos do que as inesperadas consequências emocionais de um acto criminoso. É unanimemente reconhecido que um crime provoca mais tensão emocional do que um prejuízo ou ferimento similares resultantes de outras causas. Os danos corporais provocados intencionalmente são mais difíceis de ultrapassar do que os que resultam de causas acidentais, e a perda de propriedade através do roubo tem implicações mais amplas do que o simples extravio dos bens. O acto criminoso é praticado conscientemente por outro ser humano e, seja qual for o motivo - ganância, pobreza, estado de espírito, ódio, drogas ou álcool - os seus efeitos são sentidos pela maior parte das vítimas e suas famílias como actos de agressão pessoal especificamente destinados a atingi-los.

(d) É importante reconhecer a ocorrência de uma série de prejuízos para a vítima, para além dos efeitos directos do próprio crime: a perda de confiança nas outras pessoas, na capacidade de cada um se proteger a si próprio e à sua propriedade, e na ordem pública.

(e) Os serviços de apoio à vítima existem para apoiar as vítimas de crime a lidar e ultrapassar as consequências nefastas a nível psicológico, emocional, social e prático, mediante a prestação de apoio emocional, psicológico, jurídico e social.

(f) Os crimes violentos e os crimes contra o património originam sofrimento e tensão emocional. Se as vítimas forem negligenciadas, estes efeitos poder-se-ão agravar e prolongar. A alienação e o medo são consequências naturais do crime, podendo contudo ser prevenidos. A experiência tem demonstrado que as vítimas conseguem ultrapassar mais facilmente as consequências emocionais do crime de forma eficaz e recuperar satisfatoriamente caso lhes tenha sido dada desde logo uma oportunidade de falar abertamente e com confiança sobre as suas reacções a pessoas com formação específica para a prestação de um apoio adequado. Ser-lhes-á também benéfico receber informação correcta sobre os seus direitos, deveres e outros serviços disponíveis. Muitos Estados descobriram que profissionais adequadamente formados têm um papel importante a desempenhar na prestação de apoio pessoal. Os membros do Fórum acreditam que todos os países da Europa devem desenvolver serviços adequados, e garantir que todas as vítimas de crime tenham conhecimento da existência dos serviços e formas de os contactar.

(g) As organizações pertencentes ao Fórum Europeu pretendem que os serviços prestados se caracterizem por um alto nível de qualidade, com base no respeito, na compreensão e sensível à experiência e necessidades das vítimas de crime.

 

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA VÍTIMA A SERVIÇOS DE QUALIDADE

1. Igualdade de acesso

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Prestar serviços às vítimas de crimes;

» Prestar informação e aconselhamento ao público em geral e, em particular, às vítimas de crimes, dos serviços de apoio prestados;

» Assegurar que nos serviços de apoio à vítima, nenhuma vítima será, directa ou indirectamente, discriminada em função da idade, género, orientação sexual, deficiência, cultura, raça, religião, profissão ou opinião política.

2. Selecção e Formação

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Adoptar procedimentos transparentes na selecção e recrutamento do pessoal remunerado e voluntário;

» Assegurar formação e apoio adequados ao pessoal que presta directamente serviços às vítimas de crime.

3. Gratuitidade dos Serviços

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Garantir a gratuitidade dos serviços de apoio prestados.

4. Confidencialidade

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Manter a confidencialidade da informação transmitida pela vítima ou relativa a esta - os membros não devem transmitir a terceiros qualquer informação transmitida pela vítima ou relativa a esta, a não ser que:

(a) a vítima tenha dado o seu consentimento, ou

(b) os procedimentos legais o permitam, ou

(c) tal seja imposto por considerações de ordem moral

» Adoptar procedimentos transparentes para lidar com estas situações de excepção;

» Adoptar um procedimento público de reclamação relativa à quebra da confidencialidade ou outras.

5. Autonomia

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Respeitar o direito de cada vítima a tomar as suas próprias decisões e a participar activamente na sua recuperação;

» Respeitar o direito de cada vítima de conservar a informação que não deseje partilhar;

» Transmitir à vítima, de forma compreensiva e honesta, o quadro das soluções possíveis para a sua problemática;

» Encorajar a vítima a reencontrar a sua autonomia e independência.

6. Independência

Os membros do Fórum comprometem-se a:

» Providenciar serviços independentes em estreita cooperação com outras instituições;

» Publicitar, ao público em geral e às vítimas em particular, a natureza independente dos serviços prestados.

© 1999 European Forum for Victim Services

 

 

 

ESTATUTO DA VÍTIMA NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

 

Princípios Orientadores:

» a mediação implica a participação da vítima, pelo que é importante que os seus interesses sejam tidos em conta;

» a mediação só deve ter lugar quando as partes derem o seu consentimento de forma livre e informada, podendo este consentimento ser retirado a qualquer momento;

» a mediação vítima-infractor em matéria penal é diferente dos processos de mediação em outras áreas – o processo de mediação implica que o autor do crime assuma a responsabilidade pelo seu acto e reconheça as consequências adversas para a vítima provocadas pelo crime;

» é fundamental que o mediador, assim como todos os que venham a estar envolvidos no processo de mediação, recebam formação adequada sobre matérias específicas relacionadas com a problemática das vítimas de crimes que possam ser relevantes para o decurso do processo.

As vítimas de crimes têm direito a:

» ver o seu estatuto de vítima reconhecido pela sociedade e os seus direitos e interesses protegidos;

» aceder a toda a informação relacionada com o processo e possíveis desfechos e sobre os procedimentos de monitorização da implementação de qualquer acordo que se obtenha no processo de mediação;

» ser informadas sobre onde podem obter aconselhamento e apoio independente;

» dispor de tempo suficiente para tomar a sua decisão e para recorrer a aconselhamento independente;

» ter acesso a aconselhamento jurídico antes, durante e depois do processo de mediação, que deve estar previsto na legislação relativa a protecção jurídica gratuita;

» escolher entre encontrar-se com o infractor ou comunicar com este através do mediador.

DECLARAÇÃO RELATIVA AO ESTATUTO DA VÍTIMA NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

O Fórum Europeu dos Serviços de Apoio à Vítima foi estabelecido com a finalidade de:

» promover o desenvolvimento de serviços efectivos de apoio às vítimas de crime na Europa;

» promover a atribuição de indemnização justa e uniforme a todas as vítimas de crime na Europa, independentemente da sua nacionalidade;

» promover os direitos das vítimas de crime na Europa no âmbito do procedimento criminal e o contacto com outras entidades.

O Fórum Europeu reconhece que, com o desenvolvimento considerável das práticas de justiça restaurativa, cada vez mais vítimas são abordadas tendo em vista um contacto directo com o autor do crime. Deste modo, o objectivo do presente documento é o de assegurar que os direitos e interesses das vítimas são sempre devidamente protegidos.

O conhecimento e o saber específicos do Fórum Europeu dos Serviços de Apoio à Vítima resultam da nossa vasta experiência no trabalho com vítimas de crimes. Assim, o propósito da presente Declaração não é o de repetir o já previsto noutros documentos sobre boas práticas de mediação, mas chamar a atenção para determinados aspectos que, na perspectiva dos direitos e interesses das vítimas, consideramos não terem sido contemplados adequadamente nos documentos já existentes. A Declaração aborda aspectos de carácter geral, não pretendendo consubstanciar uma avaliação exaustiva das questões a considerar no que diz respeito a tipos específicos de crimes ou de indivíduos.

Ao emitir esta Declaração, o Fórum Europeu dos Serviços de Apoio à Vítima reconhece e valoriza as declarações e demais documentos internacionais já existentes relativos aos direitos humanos fundamentais, bem como aos direitos dos infractores. Reconhece, ainda, a importância do Projecto de Declaração sobre os Princípios Básicos sobre o Uso de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal da Organização das Nações Unidas e a Recomendação do Conselho da Europa (99) 19 sobre Mediação em Matéria Penal.

Reconhece igualmente a importância de todos os que estão envolvidos em programas de justiça restaurativa, incluindo os que trabalham com os infractores.

PRINCÍPIOS PARA O ESTABELECIMENTO DE RECOMENDAÇÕES SOBRE O ESTATUTO DA VÍTIMA NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO

Neste documento, o termo “mediação” é utilizado para descrever qualquer processo que envolva contacto entre a vítima e o infractor, quer se trate de um contacto directo, quer indirecto, através de um mediador. O processo de mediação é geralmente considerado como parte integrante de uma corrente mais vasta designada justiça restaurativa. No entanto, os instrumentos jurídicos existentes sobre justiça restaurativa, incluindo os relativos à mediação, raramente reconhecem o princípio de que nenhum programa deve ser descrito como “justiça restaurativa” se não tiver como prioridade restaurar a posição da vítima. Por outro lado, todos os programas que contem entre os seus objectivos a prestação de apoio à vítima podem ser considerados como incorporando um elemento essencial de justiça restaurativa.

O Fórum Europeu dos Serviços de Apoio à Vítima, enquanto organização representante das organizações nacionais de apoio às vítimas, apoia o princípio de justiça restaurativa e pretende ver o seu trabalho reconhecido como sendo um importante contributo.

A mediação em matéria criminal pode ser descrita como o processo no qual vítimas e infractores comunicam com a ajuda um terceiro imparcial, quer directamente, cara-a-cara, quer indirectamente através do mediador, possibilitando àquelas a expressão das suas necessidades e sentimentos e a estes a assumpção das suas responsabilidades e a actuação em conformidade. Isto é apenas o ponto de partida, devendo ser feito um conjunto de observações acerca do processo de mediação.

Em primeiro lugar deve reconhecer-se que a mediação vítima/infractor é diferente de processos de mediação noutras áreas da vida. Uma das diferenças mais proeminentes é a de que, quando um crime ocorre, o infractor não só viola os direitos individuais da vítima, como infringe a ordem jurídica existente cujo objectivo é o de proteger a sociedade em geral. Deste modo, parte do processo de mediação deve incluir a aceitação da responsabilidade por parte do infractor pelo acto cometido e o reconhecimento das consequências adversas que o seu acto criminoso teve na vítima. A importância da responsabilização perante a comunidade não pode ser ignorada. De igual forma, a vítima tem o direito ao reconhecimento pela sociedade do seu estatuto de vítima e à protecção dos seus direitos e interesses.

 

O potencial impacto do processo de mediação

Reconhecemos que a mediação é um processo poderoso, com potencial para trazer grandes benefícios para as partes nele envolvidas. No entanto, tem também potencial para causar efeitos nefastos, particularmente em programas nos quais estejam envolvidos mediadores com formação insuficiente. A maior parte da literatura existente nesta matéria tende a debruçar-se mais sobre os benefícios do que sobre os potenciais riscos existentes.

Nos potenciais benefícios estão incluídos o recuperar da autonomia e da dignidade por parte da vítima. A participação e o envolvimento da vítima podem evitar sentimentos de alienação, que muitas vezes ocorrem nos processos de justiça criminal tradicional. A vítima pode ter a oportunidade de obter informação do infractor, a que de outra forma não teria acesso, assim como alcançar a restauração. Para além disso, muitas vítimas valorizam a oportunidade de poderem comunicar sobre as suas experiências relativamente ao crime e participar na obtenção de um resultado construtivo a partir da sua experiência negativa. Ajudar os infractores a evitar o cometimento futuro de crimes pode também ajudar a restaurar a autonomia da vítima. Os potenciais riscos envolvidos incluem a possibilidade de uma vitimação secundária antes, durante e/ ou depois do processo de mediação. Deve ter-se em conta que a maioria dos actuais programas de mediação não foram criados nem pelas vítimas nem pelos serviços de apoio às vítimas. As vítimas têm múltiplas necessidades em virtude do crime sobre si perpetrado mas o contacto com o infractor só raramente é uma prioridade para a maioria daquelas. O convite para o contacto com o infractor encerra em si próprio uma poderosa intervenção que pode acarretar e impor à vítima uma responsabilidade que ela própria não deseja. As vítimas que declinam o convite podem experienciar sentimentos de culpa, inadequação e/ou medo das consequências. A concordância em participar no processo de mediação pode igualmente criar expectativas, que podem revelar-se nefastas caso os resultados esperados não venham a ser atingidos. Por esta razão, a avaliação da adequação do infractor para o processo de mediação deve ter em conta os interesses da vítima.

Sempre que se considere o recurso à mediação, deve proceder-se a uma ponderação que tenha em conta os potenciais benefícios e os potenciais riscos. Há uma série de variáveis que devem ser tidas em consideração:

O momento em que ocorre a proposta de mediação e a altura do processo de recuperação da vítima influenciam de forma significativa a capacidade de reacção desta. Assim, a mediação enquanto mecanismo de diversão do sistema de justiça criminal afigura-se mais adequada face a crimes de menor gravidade, como sejam ofensas à integridade física simples ou pequenos crimes contra a propriedade, do que para crimes mais violentos. Perante crimes de maior gravidade, o recurso à mediação será mais adequado depois de findo o processo judicial, designadamente durante a fase de execução de penas privativas da liberdade. Nestes casos, a mediação pode revelar-se especialmente apropriada quando a vítima tenha apresentado um pedido de indemnização ou quando for necessária a adopção de medidas de protecção da vítima ou da sua família no seguimento da libertação do infractor condenado. Também na fase de julgamento a mediação pode desempenhar um papel importante.

Qualquer relação que tenha existido anteriormente entre a vítima e o infractor pode influenciar o processo de mediação. Sempre que tiver existido uma relação estreita entre a vítima e o infractor, deve-se ter particular cuidado na escolha dos casos que se enviam para mediação e cada uma das partes intervenientes deve ser alvo de especial preparação. Nestas situações de violência relacional, devem tomar-se precauções específicas que acautelem efeitos mais alargados, por exemplo no que se refere ao impacto sobre as relações no local de trabalho, na escola, na família ou mesmo na vizinhança. Os mediadores que venham a lidar com este tipo de casos devem ter recebido formação especializada.

O processo de mediação pode igualmente ser afectado pelas características pessoais da vítima, incluindo a sua experiência prévia de vitimação, quaisquer outros factores que possam afectar o seu próprio bem-estar e a sua capacidade para superar anteriores crises. A existência de apoio, designadamente por parte de pessoas próximas, pode igualmente influenciar o processo. É provável que nenhum destes factores seja conhecido e previamente analisado antes do convite à vítima para participar na mediação.

A mediação vítima/infractor depende da existência de uma similaridade de pontos comuns no que se refere a necessidades e valores. Existe, pois, o perigo da discriminação resultante da verificação de grandes disparidades entre a vítima e o infractor em termos de capacidade económica, idade ou grupo étnico, por exemplo. Estes perigos não deixarão de ser reconhecidos pelos mediadores se estes possuírem formação adequada. O objectivo a atingir em cada caso é o de maximizar os efeitos positivos para ambas as partes intervenientes e minimizar os riscos envolvidos, particularmente para a vítima.

 

ASPECTOS ABORDADOS EM INSTRUMENTOS JURÍDICOS EXISTENTES – ANÁLISE NA PERSPECTIVA DA VÍTIMA

 

A definição de consentimento livre e informado

De acordo com o Projecto de Declaração sobre os Princípios Básicos sobre o Uso de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal da Organização das Nações Unidas, o recurso a processos de justiça restaurativa depende do livre e voluntário consentimento das partes envolvidas. As partes devem poder desistir do processo de mediação a qualquer momento, incluindo durante a sessão de mediação.

A simples possibilidade de a vítima poder recusar participar no processo de mediação não é, a nosso ver, suficiente para se poder falar em livre consentimento. O livre consentimento efectivo exige que o convite para a mediação seja feito por alguém com formação adequada para poder reconhecer o impacto variável que esse convite pode ter em cada vítima de crime e o seu potencial para provocar consequências adversas.

Deve sempre fornecer-se às vítimas não apenas informação completa relativamente ao processo e possíveis resultados, mas também sobre onde obter apoio e aconselhamento independentes. Devem ser estabelecidos procedimentos de cooperação e articulação tendo em vista o encaminhamento das vítimas, sempre que necessário, para outras organizações que possam prestar apoio.

Na nossa perspectiva, o consentimento da vítima não estará isento de pressão caso as consequências para os infractores sejam substancialmente mais gravosas caso aquela não queira participar no processo de mediação. Sempre que seja considerado um mecanismo de diversão do sistema de justiça penal, devem ser consideradas outras alternativas de diversão, como seja a prestação de trabalho a favor da comunidade. Qualquer atenuação de pena aplicável em caso de mediação bem sucedida deve ser igualmente aplicável caso o infractor se tenha mostrado disponível para participar na mediação mas a vítima não tenha querido participar.

Em qualquer caso, deve ser dado à vítima tempo suficiente para ponderar sobre a sua decisão e recorrer a aconselhamento e apoio independentes, sempre que o solicite. Sugere-se a concessão às vítimas de um período mínimo de três semanas para tomarem a sua decisão.

Apoio e representação

A Recomendação do Conselho da Europa estabelece que as partes devem ter direito a assistência jurídica. No Projecto de Declaração proposta pelas Nações Unidas, esta é limitada ao direito a aconselhamento jurídico antes e depois do processo restaurativo. Na nossa perspectiva, as vítimas devem ter direito a ser assistidas por alguém por elas escolhido/a antes, durante e depois do processo de mediação. Esta assistência poder ser prestada por uma organização de apoio à vítima. No entanto, um elevado grau de representação legal no processo de mediação pode ser motivo para preocupação na medida em que pode não contribuir para uma boa comunicação entre as partes. A cultura da mediação é, por natureza, informal. Não obstante, consideramos que as vítimas podem beneficiar de aconselhamento jurídico antes de decidirem se participam ou não na mediação e, eventualmente, depois de o processo de mediação estar concluído. Nestas circunstâncias, o aconselhamento jurídico deve estar disponível para todas as vítimas de crime e ser objecto de previsão legal na legislação sobre protecção jurídica gratuita.

Sempre que uma vítima seja convidada para participar num processo de mediação deve ser informada da existência e disponibilidade de um serviço de apoio à vítima independente e deve ser para este encaminhada, se assim o desejar.

Formação e preparação

De acordo com o Projecto de Declaração das Nações Unidas, os mediadores devem receber formação inicial antes de iniciarem a actividade de mediação, assim como formação contínua. A formação deve ter como objectivo desenvolver as capacidades de resolução de conflitos, tendo em consideração as necessidades específicas das vítimas e dos infractores, assim como proporcionar uma noção geral sobre o sistema de justiça criminal e um conhecimento aprofundado sobre o programa de justiça restaurativa no qual os mediadores irão trabalhar.

Concordando com esta ideia, consideramos contudo ser importante que a formação sobre a perspectiva compreensiva da vítima seja ministrada por peritos independentes, com experiência no trabalho com vítimas de crime e sem interesse algum no resultado final do programa de mediação. As organizações de apoio à vítima podem garantir esta formação. Tal como referimos anteriormente, deverá ser proporcionada formação específica aos mediadores que intervenham em processos de mediação em que as partes tenham relações pessoais próximas.

Confidencialidade

Todos os instrumentos jurídicos internacionais exigem que o processo de mediação seja confidencial para todas as partes envolvidas, mantendo-se esta confidencialidade mesmo depois do seu desfecho a não ser que haja acordo das partes em contrário. Não é contudo dada qualquer explicação para o elevado grau de confidencialidade exigido, especialmente quando estão em causa situações criminais em que existe um especial interesse de controle por parte da comunidade na salvaguarda do interesse colectivo.

Consideramos que as vítimas e os infractores devem poder falar livremente com os seus amigos, familiares e/ou as pessoas que os apoiaram sobre o processo de mediação em que participaram. Não devem sentir-se isolados por não poderem partilhar esta experiência tão significativa. No entanto, aceitamos que não é conveniente divulgar publicamente informação no decorrer do processo de mediação. O grau de confidencialidade exigido pode consequentemente ser diferente para as partes envolvidas e para o mediador. Se surgirem aspectos de natureza particularmente sensível durante a mediação, o grau de confidencialidade relacionado com estes deve poder ser negociado entre as partes envolvidas.

A aceitação de culpa por parte do infractor

De acordo com a Recomendação do Conselho da Europa, é suficiente que o infractor aceite algum grau de responsabilidade relativamente ao ocorrido. Esta Recomendação realça ainda que a participação na mediação não deve ser usada contra o infractor caso o processo regresse ao sistema de justiça criminal após a mediação, acrescentando que a aceitação dos factos e/ou mesmo a admissão de culpa por parte do infractor num contexto de mediação não deve ser utilizado posteriormente como prova para efeitos do processo penal.

Defendemos uma abordagem diferente: tal como referido anteriormente, constitui elemento essencial em qualquer programa de mediação a possibilidade de a vítima expressar as suas emoções e necessidades e de o infractor aceitar a sua responsabilidade e actuar em função dela. Consequentemente, é ilógico abdicar da utilização destas provas quando o caso regressa ao processo penal. As vítimas não devem ser impedidas de apresentar elementos de prova indiciadores da confissão caso o considerem ser adequado. Da mesma forma, a acusação deve poder chamar uma vítima para apresentar estes elementos de prova uma vez que a confidencialidade no processo de mediação não é protegida por lei.

Outros aspectos não abrangidos pela confidencialidade

Entre outros aspectos da mediação que não podem estar sujeitos à confidencialidade refira-se a perpetração de crimes, como sejam qualquer ameaça ou outra forma de violência que ocorra durante o processo de mediação. É assim questionável que, em subsequentes decisões judiciais, não se deva ter em consideração esses comportamentos dos infractores durante o processo de mediação.

De acordo com o proposto no Projecto de Declaração sobre os Princípios Básicos sobre o Uso de Programas de Justiça Restaurativa em Matéria Criminal da Organização das Nações Unidas, o incumprimento de um acordo obtido em sede de mediação não pode levar à aplicação de uma pena mais grave no âmbito do processo judicial (o que pode ser possível em algumas jurisdições). Reconhecendo a validade desta regra para muitos casos, entendemos contudo que uma violação intencional do acordo alcançado em mediação pode originar a revitimação da vítima pelo que esta nova circunstância deverá ser tida em consideração em decisões judiciais subsequentes.

ASPECTOS NÃO CONTEMPLADOS NOS INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS

Mediação indirecta

Ao mesmo tempo que se faculta às vítimas a possibilidade de aceitarem ou declinarem a mediação directa cara-a-cara, deve conceder-se a todas as que tenham preferido não se encontrarem com o infractor a alternativa de optarem, de forma livre e esclarecida, por contactar de forma indirecta com aquele, através de um mediador.

Preparação para a mediação directa

Sempre que uma vítima aceite participar numa mediação directa, cara-a-cara com o infractor, deverá dispor de algum tempo para se preparar para esse encontro. Deve ser-lhe fornecida toda a informação necessária sobre as regras do processo de mediação e a forma como se desenrolará e deve responder-se a todas as suas questões e preocupações. Deve prever-se a realização de mais do que uma sessão individual com a vítima de modo a proporcionar-lhe tempo para reflectir sobre a informação que lhe tenha sido fornecida.

Supervisão do acordo

As vítimas que tenham participado em processos de mediação devem ser sempre informadas da actuação dos infractores relativamente ao cumprimento dos acordos. Deve ser-lhes fornecida informação clara sobre os procedimentos de supervisão da implementação dos acordos e, em especial, sobre as consequências em caso de incumprimento.

Monitorização e avaliação dos programas de mediação

A monitorização dos programas de mediação deve prestar igual atenção a vítimas e infractores. Deve ser recolhida informação sobre a idade, sexo, grupo étnico e outras características das vítimas, assim como sobre as diferenças significativas que possam existir entre as partes, como por exemplo, uma vítima muito jovem e um infractor muito mais velho. A monitorização deve ter com o objectivo a obtenção de informação sobre que tipos de casos têm maior probabilidade de beneficiar ambas as partes e quais as circunstâncias em que será necessária a adopção de procedimentos especiais de preparação ou apoio.

Todos os programas que tenham como objectivo monitorizar o grau de sucesso ou o desenrolar do processo de mediação devem ter em consideração o nível de satisfação e as outras opções existentes para aquelas vítimas que tenham optado por não participar na mediação.

O papel das organizações de apoio à vítima

As organizações de apoio à vítima partilham com outras instituições envolvidas o desejo de maximizar os benefícios da mediação e minimizar os riscos. Mercê do conhecimento e experiência adquiridos no trabalho com as vítimas, estas organizações têm capacidade e competência específicas para contribuir para o desenvolvimento das políticas e práticas de mediação. A sua contribuição pode ser prestada das seguintes formas:

» consulta durante a definição de políticas governamentais em relação à mediação;

» participação activa na monitorização e gestão de programas de mediação, assim como na elaboração de novos programas;

» participação na formação de mediadores, profissionais ou voluntários, e de outros recursos humanos que lidem directamente com as vítimas;

» garantia de que todos os programas de mediação conhecem a existência de organizações de apoio à vítima que prestam serviços de apoio específico às vítimas de crime e de que existem procedimentos adequados e eficazes de encaminhamento das vítimas para os serviços de apoio;

» prestação de serviços independentes de apoio às vítimas antes, durante e depois do processo de mediação (incluindo o apoio necessário para a tomada de decisão sobre a participação ou não na mediação);

» em algumas jurisdições pode revelar-se pertinente que o primeiro contacto com as vítimas seja efectuado pelas organizações de apoio à vítima. Nas jurisdições em que não seja apropriado fazê-lo, as organizações de apoio à vítima devem promover a divulgação da existência de programas de mediação e apoiar as vítimas que a eles queiram aceder;

» o papel das organizações de apoio à vítima no âmbito da mediação deve ser reconhecido e adequadamente financiado.

© 2005 European Forum for Victim Services

 

Fonte: https://www.apav.pt/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=209&Itemid=91